Resumo não técnico
De 19 de Agosto a 6 de setembro teve lugar na Quinta da Torre d’Aires, ponto central onde teve assento a cidade romana de Balsa, a primeira campanha de escavações no âmbito do projeto “Balsa, searching the origins of Algarve”. Os objetivos da campanha foram:
- por um lado, averiguar a existência, ou não, de estruturas portuárias na parte mais ocidental da quinta, junto à ribeira da Luz, onde alguns indicadores (fotografia aérea e métodos de deteção remota, não invasivos) e vária bibliografia sugeriam poder situar-se o porto da cidade;
- por outro lado, avaliar o grau de destruição e, consequentemente, aferir a existência, ou não, de ruínas pertencentes à antiga cidade.
Relativamente ao primeiro objetivo, foram feitas 8 extensas sondagens mecânicas com recurso a retroescavadora que, durante mais de um dia, foi sondando os terrenos onde se situavam os indícios de estruturas. Sondagem após sondagem, foi-se descartando a possibilidade de existência de qualquer estrutura portuária ou de outro tipo, bem como de materiais arqueológicos. Os raros elementos de origem romana que surgiram, sobretudo fragmentos cerâmicos, eram muito rolados, denotando, claramente, que teriam sido transportados para ali. A abertura das sondagens permitiu também reconhecer os limites da antiga ria através dos fundos lodosos que apareceram, cuja natureza, e extensão impossibilitavam a existência de qualquer porto no local, conforme foi confirmado pela equipa de geólogos e sedimentólogos de várias universidades espanholas que se deslocaram ao local no dia 12 de setembro.
Face a estes dados, fica completamente descartada a possibilidade da cidade romana de Balsa se estender até junto da ribeira da Luz, devendo o seu limite mais ocidental situar-se no fim do declive da colina que cai para o vale daquela linha de água. A identificação de algumas sepulturas tardias nesta área, em 2017, reforça a ideia de que os limites ocidentais da cidade se situariam por aqui. Quanto às anomalias detetadas remotamente, é plausível explicá-las através de alterações no solo provocadas por antigos sistemas de rega, aliás bem identificados em uma das sondagens.


Já em relação ao outro grande objetivo desta intervenção verificou-se, de forma clara, o nível e a profundidade de afetação das estruturas romanas provocada pelas práticas agrícolas. Nas duas sondagens abertas na parte oriental da Quinta observou-se que o terreno foi rompido e ripado por escarificador de máquina de rastos até 70 /80 cms de profundidade. Assim, todas as estruturas soterradas a profundidades inferiores foram destruídas ou seriamente afetadas. É o caso de um grande edifício com dupla abside revelado pela prospeção geofísica, que poderia ter pertencido a um complexo termal, cujos alicerces, a pouca profundidade, foram parcialmente arrancados pela ripagem do terreno, vendo-se bem as marcas dos dentes (rippers) no solo e camada geológica.

Estas mesmas marcas veem-se nos perfis da outra sondagem, com cerca de 35m2 e situada na vertente mais perto da ria; mas, como a potência de terras aqui é muito maior, praticamente o processo de arroteamento afetou apenas o topo das estruturas arqueológicas que se conservaram até ao século XX. Nesta sondagem, a partir dos 70 cm de profundidade, deteta-se ainda uma canalização e restos de muros romanos tardios (datáveis a partir dos sécs. III/IV) que assentam em estruturas murais de época anterior, de boa construção, que definem um entroncamento de ruas. A altura conservada destes muros é variável, podendo atingir cerca de 80 cm. O conjunto destas estruturas correspondem a uma fachada alinhada do lado sul de uma rua, que corre no sentido Este/Oeste, e o que parece ser o entroncamento de uma segunda rua perpendicular à primeira, vendo-se uma esquina da mesma e o seu entaipamento por estruturas tardias.

Como a intervenção neste primeiro ano foi meramente exploratória, ficou por investigar o interior dos edifícios daquela fachada sul ou as edificações relacionadas com a outra rua. De qualquer forma, parece claro que a partir de cerca de 50 metros para norte da ria, onde a potência estratigráfica de terra antrópica é relativamente diminuta, as estruturas romanas estão muito afetadas ou simplesmente já não existem. Em contrapartida, na faixa junto à ria Formosa mantém-se ainda um forte potencial arqueológico que tencionamos continuar a conhecer nas próximas campanhas. Importante ainda nas próximas campanhas seria conhecer o que ainda existe nos terrenos a nascente da atual propriedade da Quinta da Torre d’Aires, por onde a malha urbana se estendia. Oxalá que os proprietários nos permitam fazer algum tipo de investigação, por métodos não invasivos e/ou de escavação, naqueles terrenos!


